A Girafa
Mais uma tarde quente.
Como de costume, depois do almoço fui sentar-me na varanda onde uma leve brisa ajudava a refrescar. Enormes e peludos, o Tomás e a Lucrécia, os cães de guarda, só se sentiam bem estendidos nos buracos que faziam ali junto ao tronco da mangueira grande.
Nada mexia debaixo daquele sol.
O tempo ía passando e já apetecia uma cerveja fresquinha. Mesmo gelada.
Estranhava era o Ambrósio ainda não ter aparecido.
Mas tinha os meus truques para o fazer aparecer. Bastava saltar uma rolha ou o tilintar de uma carica no chão de cimento vermelho da varanda e ele não demorava. Tinha um ouvido tísico para estas coisas.
Levantei-me e fui buscar uma bem gelada e dois copos. Sem pressas porque o calor era muito.
Abro a garrafa, prepositadamente faço saltitar a carica e de soslaio vou olhando para o sitio por onde costuma aparecer o Ambrósio.
Mas não aparecia.
E não apareceu durante toda a tarde.
Quando calmamente terminei o último copo já estava quente. Sózinho.
É então que o Ambrósio aparece. Esbaforido, cumprimentou-me e sem mais demoras foi direito ao velho frigorifico a petróleo de onde tirou mais uma. Parecia sedento mas não era para menos que a tarde estava quente.
Veio sentar-se e então reparei no cabelo em desalinho e um dos lados da cara todo lambusado. O cabelo pastoso, até parecia ter sido regado com meia dúzia de frascos de brilhantina, coisa que o Ambrósio não usava e o lado da cara muito esbranquecido e molhado.
- Que é isso Ambrósio, finalmente tomaste banho e logo por azar acabou a água? brinquei.
- Já te conto...
- Conta, conta! estava intrigado.
- Conheces aquele gajo do Vieira?
Abanei a cabeça acenando que sim e ele continuou.
- Estava sem fazer nada, ele apareceu por aí fomos até ao Jardim Zoológico ver a bicharada.
- Estavas com saudades dos primos.
- Brincalhão! Bom, já no Zoo, o calor torrava e fomos à esplanada do bar. Veio o empregado e o Vieira pediu uma girafa. Má escolha, má escolha.
- Então porquê?
- Porquê? dali a bocado apareceu um sujeito com uma girafa das verdadeiras, e ao chegar perto de mim, virou o pescoção e deu-me a maior lambidela que aquela lingua enorme e cheia de saliva pode dar. Saí dali a correr e não gostei.
- Pois, é o que dá meteres-te com o Vieira. Girafas é só com ele!!
(autor: Cacimbo de Matos in Trilogia da Savana)
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