Rádio Marginal

27/02/11

Contos da Savana - I

O Pote de Ouro

Estava a tarde a começar e como sempre eu preguiçava pela varanda depois do almoço. Chovia desde ontem uma chuvinha miúda, quase imperceptivel e que teimava em não arredar. O agradável cheiro da terra molhada não nos largava e estava tudo calmo.
Até a passarada, sempre tão barulhenta àquela hora se recolhia nas copas das frondosas árvores ao fundo do quintal.
E eu ali sentado na varanda olhando as pequenas poças de água teimando em não escoar para lado nenhum.
Não tardou muito para ver chegar o Salomão, amigo antigo já dos tempos de escola. Passo apressado, num salto miúdo subiu os degraus da varanda e cumprimentando veio sentar-se a meu lado. Pelo meio apenas a pequena e robusta mesa que nos dava apoio ao cinzeiro antigo e queimado de tanta cigarrada tarde fora.
Levantei-me e fui ao frigorifico ainda a petróleo, uma velharia que teimosamente mantinha e onde guardava as Laurentinas para refrescar as conversas com o Salomão. Voltei com uma de litro e dois copos que pousei na pequena mesinha.
Alguns tragos e alguma conversa depois, a chuva já quase não caía e despontou ali bem na nossa frente um enorme e majestoso arco-iris.
Já tinha visto muitos mas nenhum como aquele. As cores bem vísiveis e enorme de tão perto estar.
- Salomão, que grande arco-iris!
- Pá, é verdade, nunca tinha visto um assim grande e parece que começa mesmo ali ao fundo do teu quintal.
Foi nesse momento que me passou pela cabeça pregar uma partida ao "velho" Salomão.
- Salomão, sabes que ali no fundo do arco-iris existe um pote de ouro?
- O quê? tás maluco? mas um pote de ouro como assim...
- É mesmo como te digo, um pote de ouro. Há sempre uns pequenos duendes que carregam os potes de ouro às costas e os colocam no fim do arco-iris. E este, até termina aqui bem perto, ali por detrás daquelas mangueiras.
O outro final do colorido arco, esse perdia-se lá mais ao longe, perto da casa do Cascalheira.
Claro que o Salomão ía ouvindo e só tinha olhos para o fim do arco e nem no copo da cerveja ainda gelada tocava. Estava mais interessado na história dos duendes e do pote de ouro.
O Salomão era um excelente amigo, sempre pronto a ajudar no que fosse preciso e era perfeito no que fazia mas aquela cabecinha às vezes não dava para muito mais.
E pouco mais se conversou. Nessa tarde o Salomão nem o primeiro copo esvaziou e desculpando-se disse que tinha que ir tratar de um assunto, um pequeno arranjo no telhado de casa e era boa altura agora que a chuva vai amainando. E lá foi quase correndo.
Tanta calmaria e sem a boa companhia do amigo Salomão, fez-me chegar uma preguiça enorme e aproveitei para uma pequena sesta.
Umas horas depois, quando a tarde se começa a confundir já com o anoitecer eis que vejo chegar do lado das altas mangueiras a passo lento, o Salomão. Vinha muito devagar, pesadão, diferente. Trazia uma barriga enorme. Enorme.
Chegou à varanda, subiu os degraus um a um, devagar e ali se deixou ficar de pé a olhar para mim.
- Salomão, que se passa? onde foste? estás com uma barriga enorme.
- Pá, fui lá no fim do arco-iris procurar o pote de ouro. Afinal ainda tive que andar muito pra chegar lá.
- A sério? perguntava tentando não me desmanchar a rir. E onde está então o ouro dos duendes?
- Nada, não tinha nada.
- Ora, não acredito, deves ter escondido tudo. Com essa barriga enorme deves ter aí um saco por baixo da camisa cheio de coisas boas.
- Já te falei que não tinha nada. Só encontrei mesmo uma panela cheia de chamussas.
- Ai sim? E então? perguntei eu já sem conseguir disfarçar o riso.
- Comi tudo!!

(autor: Cacimbo de Matos in Trilogia da Savana)

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