Rádio Marginal

02/03/11

Contos da Savana - III

O Bilhetinho

Que noite terrivel!
Quase não dormira com o banzé que as hienas fizeram durante toda a noite. Uma choradeira pegada e que se ouvia a kilometros. Havia noites assim e nunca cheguei a perceber porque acontecia. Diz o Ambrósio que é sempre muito pior nas noites após as derrotas do Sporting e quer-me parecer que ele tem razão.
Vá lá agora saber-se... o que sei é que as hienas não me deixaram dormir e não me parece que tenham visto o jogo de ontem. E ainda bem porque se o tivessem visto então a choradeira ainda tinha sido maior.
Pontualmente tenho o Ambrósio à porta e já sei que vai ser tema de conversa porque me parece pelo aspecto cansado e cheio de olheiras que também ele não pregou olho esta noite. Acertei.
O que ele reclamava das hienas!
Lá se foi acalmando e palavra puxa palavra começou a contar-me dos namoricos dos tempos de escola, das paixonetas da juventude. Eu sabia algumas mas não as sabia todas.
Estávamos naquele desfiar de recordações e dos momentos mais embaraçosos que nos faziam agora rir a bom rir e não era raro haver casos de embaraço.
- Cacimbo, tu ainda te lembras de como eu trocava as mensagens com as namoradas lá no colégio?
- Se me lembro Ambrósio, se me lembro. E não eras só tu, quase todos faziam o mesmo. Bilhetinhos nos buracos dos tijolos lá ao fundo do campo.
- Isso mesmo, isso mesmo. Mas sabes o que me aconteceu um dia?
- Se me contares fico a saber.
- Uma tarde fui buscar um dos bilhetinhos e sou apanhado em flagrante pelo Director do Colégio. Não me restou mais nenhuma solução do que engolir o recadinho. Levei uma bela duma reprimenda mas pelo menos não se soube o que dizia o bilhete. Nem nunca cheguei a saber.
- Lá teve que ser Ambrósio.
Imagino o Ambrósio a enfiar goela abaixo um daqueles bilhetes que mais pareciam pequenos testamentos. Deve ter custado a engolir e ainda por cima a seco.
- É claro que nunca mais viste a miúda...
- Nunca mais me ligou nenhuma porque ficou a pensar que eu lera o bilhetinho e não me apetecera responder. Mas tudo passou.
- Já agora Ambrósio, quem era?
- Era a Fabiana. Passa aqui pela tua rua quase todas as tardes. Mora ali na rua de tráz mas sai ali na paragem do machimbombo e tem que passar por aqui quando chega do trabalho na cidade. Já passaram muitos anos mas pode ser que a reconheças.
- Isso é novidade mas já agora pode ser me recorde dela.
E conversa puxa conversa neste desfilar de recordações, o tempo ía passando e lá vinha o machimbombo. Hoje vinha atrasado. Alguns dos vizinhos passavam cumprimentando e fixei então o olhar na antiga paixoneta do Ambrósio.
- Ambrósio, queres saber uma coisa? Ainda bem que engoliste o bilhetinho...

(autor: Cacimbo de Matos in Trilogia da Savana)

2 comentários:

Anónimo disse...

...o quê???...a Fabiana a seco é mais difícil de engolir que o bilhetinho????.....boa ò "dos Matos"...arranja lá "expiração" para a "Triologia da Ourivesaria"...ahahah

Anónimo disse...

Esta noite as hienas voltaram a chorar, a carpir mágoas mas menos um bocadinho.
Pq será?